Quando o médico pede uma dosagem de testosterona, o resultado mais importante não é o valor "total", mas sim o da testosterona livre. Ele que revela a quantidade de hormônio que está, de fato, disponível para agir no corpo.

A testosterona livre é a fração "pronta para o uso". A maior parte do hormônio fica ligada a proteínas, como se estivesse em trânsito. A livre é a que está solta, pronta para entrar nas células. Portanto, a testosterona livre não é influenciada por fatores como a presença de algumas proteínas ligadoras de transporte.
O que é testosterona livre?
A testosterona livre é a forma ativa da testosterona. Ela não está ligada a nenhuma proteína no sangue e, por isso, fica "livre" para entrar nas células do corpo e cumprir suas funções.
A maior parte da testosterona que circula no organismo está "amarrada" a proteínas que servem como transporte. Mas, enquanto está presa a elas, a testosterona não consegue agir.
Apenas uma pequena parte, cerca de 3% do total, está solta. Essa pequena fração é a testosterona livre, que tem a ação biológica mais importante no corpo.
Qual a diferença entre testosterona total, livre e ligada?
A testosterona total é a soma de todas as formas do hormônio no sangue, e isso inclui a testosterona livre e a testosterona ligada.
A testosterona total mede todo o estoque do hormônio no corpo. E, como já dissemos, a maior parte desse estoque está ligada a duas proteínas: a SHBG (globulina ligadora de hormônios sexuais) e a albumina.
A testosterona ligada funciona como uma reserva. Ela circula pelo sangue, mas está inativa. A testosterona livre é a que está pronta para o uso imediato.
Por isso, medir apenas o total pode não ser suficiente. O médico precisa saber quanto desse total está realmente disponível para o corpo.
Por que medir a testosterona livre é essencial para a saúde hormonal
A testosterona livre é o que mostra o verdadeiro "poder de fogo" do hormônio no corpo. A testosterona livre é a pequena parte (da total) que está solta, pronta para o trabalho. Por isso, medi-la é essencial para um diagnóstico correto.
Já a testosterona total seria todo o estoque do hormônio. Mas a maior parte dele fica "amarrada" a proteínas que a transportam pelo sangue. Enquanto está preso, não consegue agir nas células.
O problema é que a quantidade dessas proteínas de transporte pode variar. E isso causa confusão nos exames. Quer entender melhor? Então vamos mostrar dois cenários comuns que o exame de testosterona livre ajuda a resolver:
- Cenário 1: total normal, mas com sintomas. A pessoa tem sintomas claros (como baixa libido) e um contexto clínico compatível. Mas o exame de testosterona total vem normal. O médico pode suspeitar que, embora o "total" esteja bom, a fração "livre" está baixa. Isso pode acontecer se o corpo tiver muitas proteínas transportadoras "amarrando" o hormônio.
- Cenário 2: total baixo, mas sem sintomas. O oposto também acontece. A obesidade, por exemplo, pode diminuir uma dessas proteínas (a SHBG). Isso faz o estoque "total" parecer baixo no exame. No entanto, a testosterona livre (a que age) pode estar em nível normal.
Medir a testosterona livre tira a dúvida, mostrando exatamente quanto hormônio está disponível para o corpo usar.
Avaliação em homens
Nos homens, o exame avalia a função reprodutiva e costuma ser pedido quando há sintomas claros de baixa hormonal, o chamado hipogonadismo.
O médico pode solicitar a dosagem se o paciente relatar:
- Queda da libido (desejo sexual);
- Dificuldade de ereção (disfunção erétil);
- Infertilidade.
A medição também é usada em meninos para investigar puberdade atrasada ou precoce. O exame ajuda ainda a monitorar quem faz terapia de reposição hormonal. Não há indicação de dosagem de testosterona sem sintomas compatíveis com hipogonadismo.
Avaliação em mulheres
Nas mulheres, o exame é usado em casos bem específicos, como para investigar sintomas de o excesso ou falta de hormônios masculinos. Ele não deve ser solicitado como um check-up de rotina.
A investigação do excesso, chamada de hiperandrogenismo, é uma das principais indicações. E o exame ajudaria a investigar suspeitas de:
- Sinais de virilização (características masculinas). Isso inclui aumento de pelos, voz grossa ou acne severa;
- Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP);
- Tumores nas glândulas adrenais ou nos ovários.
O exame também pode ser usado para avaliar a falta do hormônio. Isso acontece em casos de desejo sexual hipoativo (diminuição da libido). A Endocrine Society, entidade de referência na área, aponta que essa avaliação é muito específica. Portanto, assim como em homens, não há indicação de dosagem de testosterona em situações que não sejam as acima especificadas. A queixa isolada de "falta de energia", por exemplo, não deve ser um motivo para dosagem de testosterona.
Principais sintomas que indicam o exame
Os sintomas variam muito entre homens e mulheres. Nos homens, podem ser:
- Problemas de infertilidade;
- Diminuição da libido;
- Disfunção erétil.
Nas mulheres, os mais comuns seriam:
- Sintomas de acne, irregularidade menstrual ou ausência de ciclos menstruais, ou até mesmo características masculinizantes, como excesso de pelos ou aumento do clitóris;
- Infertilidade;
- Redução da libido depois da exclusão de algumas condições que justificam
Como é feito o exame de testosterona livre?
O exame de testosterona livre é feito em um exame de sangue comum, mas existe um preparo. A produção de testosterona muda ao longo do dia, e os níveis são mais altos pela manhã. Por isso, a recomendação geral é:
- Coletar o sangue de manhã. O ideal é fazer a coleta até duas horas após acordar;
- Fazer jejum de 8 a 12 horas (para crianças, 3 horas);
- Informar o uso de qualquer medicamento ou suplemento. A biotina, por exemplo, precisa ser suspensa 72 horas antes;
- Nas mulheres, o médico pode pedir a coleta em uma fase específica do ciclo menstrual.
O que é considerado testosterona livre normal em homens e mulheres
Os valores de referência da testosterona livre variam conforme o sexo, a idade e o laboratório. Nas mulheres, a fase do ciclo menstrual também altera o resultado.
Mas, em geral, os valores (medidos em pg/ml) podem ser:
Para homens
- 17 a 40 anos: 34,00 a 256,00 pg/ml
- 41 a 60 anos: 16,70 a 183,00 pg/ml
- 61 a 90 anos: 18,60 a 190,00 pg/ml
Para mulheres (depende da fase)
- Fase folicular: 1,85 a 16,80 pg/ml
- Meio do ciclo: 3,00 a 23,40 pg/ml
- Fase lútea: 1,75 a 18,70 pg/ml
- Pós-menopausa (sem reposição): 1,04 a 16,40 pg/ml
Vale lembrar que todo exame laboratorial deve ser interpretado a partir de um contexto clínico, e que as dosagens hormonais isoladas não são suficientes para o diagnóstico.
Fatores que podem alterar a testosterona livre
A obesidade é um dos principais que podem alterar a testosterona livre. O excesso de gordura, especialmente na barriga, interfere na produção hormonal.
O excesso de peso pode ser um fator mais determinante que a idade. Homens obesos mais jovens podem ter níveis de testosterona de homens muito mais velhos.
Outros fatores que podem alterar os resultados são:
- Infecções agudas;
- Má alimentação;
- Diabetes tipo 2;
- O horário da coleta (como vimos, deve ser pela manhã);
- O estado de jejum;
- Tratamentos médicos, como quimioterapia ou radioterapia;
- Uso de suplementos hormonais sem indicação. (Isso pode fazer o corpo parar de produzir o próprio hormônio).
Para uma avaliação completa, o médico pode solicitar outros exames de sangue, como o hemograma, para verificar a saúde geral. Em mulheres, um ultrassom pélvico pode ser usado para investigar causas de excesso de hormônio, como a SOP.
A testosterona livre baixa sempre precisa de tratamento?
Não. Um nível baixo de testosterona livre não significa tratamento. O médico primeiro investiga a causa. Por exemplo: se for obesidade, o tratamento foca na perda de peso e na mudança do estilo de vida.
A reposição hormonal só é indicada em casos específicos de diagnóstico confirmado (hipogonadismo), que exige sintomas claros e exames baixos repetidos. E, mesmo nesses casos, a terapia exige uma avaliação cuidadosa.
Em homens, antes de iniciar a reposição, o médico precisa garantir que o tratamento é seguro. Por isso, ele solicita testes complementares, como o exame PSA. Este exame avalia a saúde da próstata, já que a reposição hormonal pode ter influência sobre ela.
Quando a reposição não é necessária, geralmente a indicação de mudanças no estilo de vida, como uma alimentação mais saudável, rica em alimentos naturais (e boas fontes de rica em zinco, vitamina E, ômega 3) e pobre em ultraprocessados, além da prática regular de atividade física.
Fonta: Dra. Laura Lopes - médica endocrinologista