Autores: Dra. Ligia Pierrotti, médica infectologista da Dasa e Dra. Maria Isabel de Moraes Pinto, médica infectopediatra e consultora em vacinas da Dasa.
As bactérias do gênero Streptococcus são microrganismos conhecidos por causarem uma série de doenças em humanos, particularmente em crianças, idosos e indivíduos imunodeprimidos. As infecções estreptocóccicas podem variar desde infecções leves (como faringite) até condições mais graves (como pneumonia e endocardite).
Embora sejam condições para as quais já existam tratamento e até vacinas, as infecções causadas por essas bactérias ainda representam um grande desafio para a saúde. Continue a leitura para saber mais.
Streptococcus: o que são?
O Streptococcus é um gênero de bactérias gram-positivas que pertencem à família Streptococcaceae. O principal reservatório são os humanos, mas algumas espécies podem colonizar e causar infecções em diferentes animais.
Nos humanos, várias espécies de estreptococcos fazem parte da microbiota natural, convivendo no organismo sem causar danos. Exemplos desses patógenos comensais são o S. salivarius e S. mitis, que habitam naturalmente a cavidade oral e o trato respiratório sem causar doenças em condições normais.
Outras espécies, consideradas patogênicas, causam infecções variadas, como amigdalite, faringite, escarlatina, febre reumática, pneumonia, meningite e endocardite.
Tipos de Streptococcus
Os estreptococcus podem ser classificados em dois grandes grupos, baseados na aparência das colônias bacterianas em água sangue. Assim, eles se dividem em estreptococcos alfa-hemolíticos e beta-hemolíticos.
Os alfa-hemolíticos causam uma hemólise parcial, resultando em uma coloração esverdeada ao redor das colônias. Os beta-hemolíticos causam uma hemólise completa, criando uma zona clara ao redor das colônias.
No total, existem pelo menos 100 espécies de Streptococcus
As principais espécies de Streptococcus com relevância clínica são:
Streptococcus pyogenes
Esse é um exemplo clássico de estreptococo beta-hemolítico, também conhecido como estreptococo do grupo A. É altamente contagioso e o principal reservatório é a mucosa nasofaríngea humana. Pode causar uma variedade de doenças, desde faringite, impetigo e escarlatina, até infecções mais invasivas, como a fascite necrosante e a síndrome do choque tóxico estreptocócico.
Recentemente, houve surtos significativos de infecções por S. pyogenes em várias regiões do mundo. Na Inglaterra, entre 2022 e 2023, a variante M1UK foi identificada como a principal responsável por um aumento acentuado de casos de infecções por essa bactéria, incluindo febre escarlatina e infecções estreptocócicas invasivas, acometendo principalmente crianças.
No Japão, entre 2023 e 2024, houve um surto significativo de infecções causadas por uma cepa hipervirulenta de S. pyogenes, levando a um número recorde de infecções graves no país.
Streptococcus pneumoniae
Conhecido popularmente como pneumococo, é um agente importante de infecções respiratórias. Seu reservatório principal também é a nasofaringe. É a causa comum de pneumonia, sinusite, otite média e, em casos mais graves, meningite. O pneumococo pode ser prevenido por meio da vacinação, especialmente em grupos de risco, como crianças, idosos e condições de imunossupressão.
Streptococcus agalactiae
Também conhecido como estreptococco do grupo B (GBS), esse patógeno é comumente encontrado na região íntima da mulher. Dessa forma, é a principal causa de sepse e meningite neonatal, além de infecção em gestantes. Também causam infecções em adultos imunocomprometidos.
Pelo risco de transmissão vertical e infecções neonatais graves, é recomendado a testagem da presença de GBS por swab vaginal em gestantes no final da gestação, usualmente entre 36ª e 37ª semana da gestação. Gestantes colonizadas por GBS devem receber profilaxia antibiótica intraparto, conforme as diretrizes vigentes.
Streptococcus mutans
Bactéria que vive naturalmente na boca e está fortemente associada ao desenvolvimento de cáries dentárias. É uma das principais bactérias envolvidas na formação da placa bacteriana, uma camada pegajosa que se adere aos dentes e, se não removida pela escovação e uso de fio dental, pode levar a problemas dentários mais graves, como gengivite e periodontite.
Streptococcus viridans
Habitam a boca de pessoas saudáveis, mas podem causar endocardite em indivíduos com problemas cardíacos pré-existentes (geralmente quando entram na corrente sanguínea por meio de alguma lesão na boca).
Como ocorre a transmissão do Streptococcus
Os estreptococcos são bactérias altamente transmissíveis, mas sua disseminação varia conforme a espécies e o local de infecção. As principais formas de transmissão são:
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Transmissão respiratória: importante para as espécies do S. pyogenes (grupo A), e S. pneumoniae, e associada a doenças de faringite, amigdalite e pneumonia. Essa forma de transmissão ocorre por gotículas respiratórias expelidas ao falar, tossir ou espirrar.
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Transmissão por contato direto: responsável pela transmissão do S. pyogenes e S. agalactiae (grupo B). A transmissão ocorre por contato com pele com feridas ou lesões contaminadas, ou manipulação de objetos contaminados, como tolhas ou curativos.
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Transmissão vertical (da mãe para o bebê): importante no caso de S. agalactiae (grupo B), responsável pelas infecções neonatais.
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Transmissão oral: menos comum, mas descrita para alguns estreptococcos, ocorre por meio de alimentos contaminados.
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Transmissão endógena: descrita para S. pneumoniae e S. viridans, associada a sinusite, pneumonia e endocardite. Ocorre quando a própria bactéria, presente na microbiota normal, invade tecidos adjacentes e a corrente sanguínea em condições favoráveis à proliferação do patógeno.
Sintomas da infecção por Streptococcus
Os sintomas da infecção por estreptococcos dependem do sítio de infecção e da espécie envolvida.
Na faringite estreptocócica, os principais sintomas incluem:
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Dor de garganta intensa, com dificuldade para engolir;
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Vermelhidão e inchaço na garganta, muitas vezes com presença de pus;
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Febre, geralmente acima de 38°C;
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Linfonodos (gânglios) do pescoço aumentados e doloridos.
Já as infecções causadas pelo Streptococcus pneumoniae, como a pneumonia, podem provocar:
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Febre alta;
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Tosse com catarro amarelado ou esverdeado;
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Dor no peito ao respirar;
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Falta de ar e cansaço.
Em casos de meningite pneumocócica, os sintomas incluem: febre alta, cefaleia, rigidez na nuca, confusão mental e vômito.
Nos recém-nascidos, infecções causadas pelo Streptococcus agalactiae podem levar a letargia, dificuldade para se alimentar e febre e exigem tratamento imediato.
Exames indicados para o diagnóstico
O diagnóstico de infecções por Streptococcus pode ser realizado por meio de exames laboratoriais que detectam a presença da bactéria ou de seus antígenos no organismo. Dentre os principais exames, destacam-se:
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Cultura de secreção: utilizada para identificar a bactéria em amostras de secreções respiratórias, como o swab de garganta, para a detecção de faringite estreptocócica.
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Teste rápido para Streptococcus: oferece um diagnóstico rápido principalmente em casos de amigdalite e faringite, facilitando o início precoce do tratamento.
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Exames de sangue: indicados em casos de suspeita de infecções sistêmicas, como a septicemia, ajuda a detectar a presença da bactéria no sangue.
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Painel de pneumonia bacteriana: são painéis de diagnóstico por biologia molecular que permitem a investigação simultânea de múltiplos patógenos implicados nessa patologia, incluindo S. agalactiae, S. pneumoniae e S. pyogenes. Esses exames podem ser realizados em secreção de nasofaringe, secreção traqueal, lavado brônquico e lavado bronco-alveolar.
Formas de tratamento para o Streptococcus
O tratamento das infecções causadas por estreptococcos geralmente inclui o uso de antibióticos, podendo ser por via oral ou intravenoso. Os pacientes com quadro leve a moderado, sem condições de risco aumentado para complicações (como crianças, idosos e pacientes imunocomprometidos) recebem, usualmente, o tratamento ambulatorial com antibiótico por via oral.
Em infecções mais graves, o tratamento hospitalar pode ser necessário, envolvendo antibióticos intravenosos para garantir o combate eficaz contra a bactéria. Em infecções invasivas, como a fasciíte necrosante, pode ser necessária intervenção cirúrgica para remover o tecido infectado visando prevenir a disseminação da bactéria pelo organismo.
Formas de prevencão para o Streptococcus
A prevenção contra infecções causadas pelo Streptococcus envolve medidas gerais de higiene e, em casos específicos, ações médicas direcionadas. Aqui estão as principais:
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Higiene Pessoal: lave as mãos regularmente com água e sabão, especialmente após tossir, espirrar ou antes de comer.
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Evitar contato com infectados: mantenha distância de pessoas com infecções estreptocócicas ativas, como faringite estreptocócica.
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Etiqueta respiratória: cubra a boca e o nariz ao tossir ou espirrar e descarte lenços usados adequadamente.
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Cuidados oré-natais: gestantes devem fazer exames para detecção do Streptococcus do grupo B (GBS) no final da gravidez e, se necessário, receber antibióticos durante o parto para prevenir infecções no bebê.
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Ambientes Limpos: mantenha superfícies desinfetadas, especialmente em locais com crianças, para reduzir o risco de transmissão.
Essas medidas ajudam a reduzir a disseminação de infecções estreptocócicas e suas possíveis complicações.
Prevencão para o Streptococcus pneumoniae
Não há uma vacina que proteja contra todas as espécies de Streptococcus. Entretanto, para os casos de Streptococcus pneumoniae, a vacinação é recomendada e previne a pneumonia, a meningite, infecções generalizadas e outras causadas por essa bactéria.
Atualmente, existem quatro vacinas pneumocócicas conjugadas disponíveis no Brasil: a 10-valente (VPC10), a 13-valente (VPC13), a 15 valente (VPC15) e a 20-valente (VPC20). Além delas, existe também a Vacina pneumocócica polissacarídica 23-valente (VPP23).
De acordo com a SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), no PNI (Programa Nacional de Imunizações), a VPC10 é recomendada para vacinação de rotina de crianças até 4 anos, 11 meses e 29 dias.
No entanto, a SBIm recomenda que a rotina de vacinação de crianças entre 2 meses e 6 anos seja feita, sempre que possível, com as vacinas VPC20 ou VPC15, que protegem contra uma gama maior de sorotipos.
Para pessoas a partir de 60 anos, a SBIm recomenda como rotina uma dose de VPC20 ou esquema sequencial com as vacinas VPC15 (ou VPC13, na impossibilidade de VPC15) e VPP23. A vacinação pode ser iniciada a partir dos 50 anos, a critério médico.
Por fim, medidas de higiene, como evitar o compartilhamento de utensílios e a lavagem frequente das mãos, são fundamentais para reduzir o risco de transmissão.